Mia Couto [Moçambique]




Diz o meu nome

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimasse os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No úmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome



Imagem: Fernando Francisco


*Enviado por Saramar.

Comentários

  1. Saramar gentilmente nos faz lembrar dos versos belíssimos e carregados do maior poeta de Moçambique.

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Não fazemos censura prévia mas os exageros serão deletados.

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