Marcos Caiado





Dorme

dorme a casa
dorme a crase
dorme a asa da borboleta.

numa metamorfose
tão exata
dorme a letra ilegível.

dorme a arroba e a rota,
o doze e a dúzia,
dorme o artigo indefinido.

dorme a água do aquário,
dorme o vaso sanitário,
e o vocabulário indizível.

dorme o fóssil, pra lá de antigo,
o agora e
o minuto além.

dorme aquiles, o mito,
e aqueles que muitos
chamam ninguém.

dorme alice e o lustre,
a tinta e a paleta
neste verso dormidouro.

dorme o infinito sem conceito -
um dormir tão perfeito
que parece até poesia!

dorme a canção,
dorme a liturgia
dorme a cor e a alegoria.

dorme aquela velha alegria
que triste se apega
e do paradoxo não larga.

dorme tudo;
desde o raso até o fundo:
como um defunto.

dorme o lodo na calçada,
a vaca atolada,
o outro lado da rua...

dorme a flor dilacerada
e, mesmo o medo,
dorme tranqüilo.

dorme isto, essa e aquilo:
toda grama e
centímetro

a libra,
o zêlo
e o gemido desmedido.

dorme o esquilo
na paisagem americana e
a lua no céu de araraquara.

dorme o vento,
o assentamento
e a arara

o sono dos justos,
dormem marte e
o deserto do saara.

apenas eu insisto
diuturnamente
acordado

visto ser
impossível dormir
sem você ao meu lado.



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